quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fim de Primavera

Rolando Boldrin, mais uma vez, exaltando a inteligência e simplicidade, ao apresentar para o Brasil esses dois músicos incríveis: Chiko Queiroga e Antônio Rogério.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Viajante


Rubem Braga

Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.
Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.

Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.

Boa viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rio, abril de 1952.
Texto extraído do livro "A Borboleta Amarela", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, pág. 145.

Texto na íntegra pra quem se interessar: http://www.releituras.com/rubembraga_viajante.asp

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo, 
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!


Mario Quintana

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A volta

O sol ardia, era de rachar a cabeça d’algum desavisado que ousasse não se precaver. Por isso, o homem se escondia debaixo de um chapéu de abas desproporcionais ao seu tamanho. Ao descer do ônibus, as pessoas olhavam-no com espanto e admiração. Aquela figura grotesca causava forte impressão onde passava.
Jamais imaginara sair um dia de seu habitat, de sua toca, de sua cidade minúscula, incrustada nas entranhas do mundo. Nunca antes havia pisado numa calçada, dessas de jardim, nunca experimentara antes ouvir música, ver vitrines com coisas expostas à venda. Era primitivo demais, achava aquilo exagerado.
Seu nome era Alguém, sabia-lhe somente de boca, pois no lugar de onde veio não se usa registrar nomes, nem mesmo formalizar nascimento ou óbito. As pessoas de lá vivem bem sem essas burocracias. Vivem ainda de trocas, são totalmente dependentes umas das outras, sensíveis ao amor. Sabem que sua sobrevivência, satisfação, felicidade, estão umbilicalmente ligadas à de seu vizinho; da mesma maneira que suas frustrações e medos são compartilhados.
Alguém, apesar de homem rústico, de ignorar a existência de uma escola, e desprezar a tecnologia, era dotado de uma capacidade de observação aguçadíssima. Era moço inculto, mas tinha imaginação e poesia. Em seu primeiro giro pela cidade, o que mais lhe chamou atenção, foi perceber a maneira como as pessoas lidavam com as outras e como levavam suas vidas. A frieza no trato diário, e o compromisso maquinal em cumprir rotinas inflexíveis, causavam-lhe uma sensação desagradável.
Andou ainda por algum tempo, a esmo, e ocorreu-lhe que aquela experiência era demais; constatou que definitivamente não havia nada a ser aprendido ou compartilhado, pois ninguém dava a mínima; e apreensivo, meteu a mão cascuda no bolso da sua única calça, já em trapos, e encontrou o que procurava. Via naquele bilhete sua salvação; concluiu que sairia ileso, que havia chances de não ter sido contaminado, e regressou o caminho apressadamente.
Horas mais tarde, já acomodado num banco de cimento na rodoviária, pôde finalmente respirar aliviado, ao ouvir uma voz insistente, que saia de um alto falante pendurado num canto, e que gritava: próximo ônibus de volta a... às...!

Saulo Oliveira