sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pra não dizer que não falei...

Foto: Gleydson Publio

Por que bloquear algo que vem de forma tão natural?
Por que tentar impedir essa força que rompe as barreiras do impossível e das dores desmedidas, até chegar ao lábio e num brilho se mostrar largo, intenso e irresistível?
Maior do que seu esforço em conter o riso, é o meu desespero em ver suas mãos se moverem rápidas, num gesto involuntário, mas acostumado, a obstruir a luz que brota de sua boca e que, resplandece em seus dentes, ainda brancos, por não provarem dos exageros e vícios desta vida.
Por isso digo: “sorria mais menina!” Mostre-se; mostre para o mundo essa vontade contida. Não se intimide pelas prováveis reprovações das gentes doentes, tristes e caretas.
Prefiro o riso à dor; Nem sempre foi assim. Leva um tempo para entender que não é preciso entender, que basta apenas sentir. Sentir ao máximo, até que a sensação impregne no corpo, na mente, e não seja mais uma simples e volátil sensação, e finalmente se materialize, num sorriso.
Não reprima, compartilhe. Há pessoas ao redor sedentas por um gole dessa felicidade inventada, a felicidade dos não convencionais, não convencionados. Daqueles para quem basta uma canção e que, percebem a grandeza escondida. Sim, porque a grandeza está oculta, secreta, geralmente em pessoas e coisas que sabem usar com maestria o disfarce de pequenos.
Agora que já sabe, se te pedirem ou se lhe apetecer, sorria. Mas lembre-se de guardá-lo um pouco pra mim. Reserva, nem que seja uma porção mínima desse teu encanto, a esse pedinte, a esse amante incorrigível que, se contenta com o pouco, desde que seja verdadeiro. Juro que, se você se insinuar e não me dá-lo de uma vez, me lançarei abrupto e decidido e o tomarei à força.

Saulo Oliveira




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Esotérico

Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu prá você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar (não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Do portão...

Foto: Gleydson Publio

A última vez que ela o viu foi dobrando a esquina em disparada, quase correndo. Estava magro, o cabelo enorme e usava botas de cano longo, camisa de algodão manga longa contra o sol e mochilão nas costas. Ela ainda gritou, fez gestos desesperados para que a visse, mas nada. O mochileiro desvairado não queria outra coisa naquele momento senão caminhar. E caminhou, caminhou desgraçadamente por muitos quilômetros. Não parava um segundo, nem pra respirar. À medida que dava vazão a seu desejo tresloucado de caminhar, a sensação era de que sua dor se esvaia junto à sola de seu calçado. E ainda de que sua desilusão só caberia mesmo numa estrada como aquela, larga, sem indicações, acostamentos ou qualquer que fosse a sinalização.
No princípio da jornada, o viajante gostou de estar só, e se sentiu confortável à condição de isolamento em que se via. Só que além do pensamento há coração; e dentro do corpo há alma.
O rapaz então mudou de planos, e ao invés de caminhar resolveu que melhor seria correr. Correr até não restar mais nada. Somente correndo seria possível deixar aquelas horas para trás. Somente correndo ele seria capaz de abandonar as promessas sem pestanejar.
Do portão, eu sei é que, ela ficou a acenar. Acenou o quanto pôde. E em contrapartida ele resistiu, resistiu até o seu limite, pra não voltar atrás rasgando a sua soberba besta e beijar de vez aquela boca sedenta, carnuda e alucinada. 

 Saulo Oliveira



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O ruído das paredes que desabam...


Foto: Querosene
Enche meus ouvidos de novidades e inflama meu corpo de excitação.
Sei que as paredes que hoje cedem, darão lugar mais tarde a outras, novíssimas e tomadas de desenhos coloridos em grafite. Adoro a arte de inovar, a iniciativa de seguir a marcha, mesmo sem entendê-la, o exercício de modificar a si mesmo o tempo todo; de dar vazão à criatividade e à liberdade de dizer coisas sem sentido; de ser contraditório e errar, errar sempre, errar heroicamente.
Acreditar é tarefa para os grandes, me refiro aos grandes de alma, aqueles que, são capazes de apostar até o último tostão em coisas de valor questionável para os outros, que teimam ou cedem em horas improváveis, que veem além do óbvio, choram diante da beleza, compreendem que para viver não é preciso muito, e que lutam com o fundamental. Os grandes jamais paralisam sob o medo de errar.
As coisas se repetem tanto durante os dias que, aparentemente são iguais, insossas e sem nenhuma atração. A rotina mitiga a expectativa de se espantar ou descobrir. O que é importante está sempre coberto, na maioria das vezes por uma camada fina de banalidade que, engana os sentidos destreinados.
Outro dia me disseram que, em sua vida, tudo estava perfeito, em ordem, reproduzindo o senso comum: “se melhorasse ia estragar”. Desconfiado, custei a acreditar, mas acreditei, acreditei duvidando, porque a dúvida também é essencial. Duvidei de que seja possível alcançar esse cume mágico de felicidade e satisfação de uma vez. Sou meio cético quanto à totalidade, não que seja irrealizável, só que é difícil imaginar a completude, num mundo em que a auto-elaborarão é constante e perene.
O saboroso é ouvir o estrondo do muro curvando-se, sucumbindo e em seguida, ouvir sem menos estrondo, o barulho da máquina criadora erguendo-o outra vez, mas jamais o mesmo. O material não só pode como deve ser o mesmo, reciclado, mas as curvas e os desenhos, ao contrário,devem ser escandalosamente distintos dos antigos, devem ser modernos, arrojados, provocantes e ousados, e que reflitam, sobretudo, a nossa capacidade latente de começar tudo de novo.

Saulo Oliveira

sábado, 5 de janeiro de 2013

Só sei amar quando é de madrugada...

Foto: Teo Neto

No momento em que ouço o farfalhar solitário de folhas sobre o chão e o ruído dos cães vagabundos pela rua, fico mais leve, de riso fácil e um tanto mais menino.
A madrugada alta e onipresente, com seu muro de luzes opacas a reinar o mundo, é o que dá mais coragem e vigor para o dia que vem vindo. É nela que sinto o vento manso, fresco, quase frio, roçando ligeiramente a pele, e trazendo consigo coisas e medos (logo dissipados), muito distantes e antigos, que ficaram nalgum canto, e que, simplesmente, não se faz mais questão de serem lembrados.
É na madrugada alta e abafada, que me esgueiro por sobre a mureta do quintal, a fim de avistar a imensidão e o horizonte enigmático do sem fim, ansiando encontrar respostas para o amanhã, que virá muito provavelmente sem rodeios e abruptamente.
O que me consola é escutar o borbulhar da água, impaciente por ser tingida de negro, tomada pelo pó fresco de café, que depois de pronto, com seu cheiro forte e inebriante, ocupa cada espaço da casa, reclamando com urgência um cigarro.
A madrugada deve ser a parte do dia em que Deus trabalha. Deve ser ainda, o momento preferido de Deus, uma vez que é o preferido dos amantes.
Somente na madrugada, na madrugada alta e divina, é que deixo de ser macho e sou fêmea, para só assim, compreendê-la muito além do sexo. É lá, nas entranhas da madrugada, que eu me calo, e com o mais sincero interesse ouço e entendo o que ela diz. Verifico, com cuidado, o ritmo de sua respiração, enquanto dorme exausta. Vejo a beleza de sua alma, e me emociono com as marcas e o cansaço de seu corpo nu.
Penso que, a morte, o “fim” a que estamos todos predestinados, bem que podia ser uma bela e cativante madrugada, daquelas bem quentes, a nos esperar com sua larga e iminente alvorada.
De madrugada é quando minha mente insone descansa; de madrugada amo mais, e por conseqüência disto, é também quando estou e me sinto mais vivo.

Saulo Oliveira