|
Foto: Miguel Schincariol |
No ônibus mesmo foi falando sobre a sua vida, seus amores, desejos contidos e irrealizáveis. Tateava, como que no escuro, à procura de exclamações. Delirava ao fechar os olhos e selecionar calmamente os adjetivos. Fantasiava ao querer empenhar força total à elocução descompassada; e se excitava ao tentar dar vida e ordem ao amontoado de verbos indóceis. Um discurso incompreensível
que me assustou! Baixou uma imensa lista do que achava certo, concordava ou não
dava a mínima. Disparou palavras aos montes. Eu, querendo me proteger daquilo
tudo, levantava desconcertadamente os braços sobre a cabeça, sugerindo que
desse um tempo. Mas não havia meios de aquilo parar. Continuei insinuando minha
apreensão de ter à minha frente alguém tão perturbada e também tão provocadora, que
levava dentro de si quantidade absurda de conflitos que, sendo multiplicados
aos meus, ainda seriam poucos.
Aquele cenho contraído de animal acuado não escondia a beleza
delicada; os traços finos; os modos tímidos e contidos de uma lady. Admito que,
em muitas alturas daquela guerra de orações e sentenças vomitadas em cima de
mim, fui impelido a abraçar o seu corpo miúdo, desprotegido e incrivelmente
frágil. Disfarçava o seu medo do mundo, diante de expressões grosseiras e uma
linguagem suja, que definitivamente, não condiziam com aquela boca, que ao
contrário, abrigava dentes claros, dava forma a dois grandes lábios úmidos e pintados de rosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário