quarta-feira, 29 de maio de 2013

Os rios de dois Joões...

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."



João Guimaraes Rosa

Miguel Schincariol

A um rio sempre espera
um mais vasto e ancho mar.
Para a agente que desce
é que nem sempre existe esse mar,
pois eles não encontram
na cidade que imaginavam mar
senão outro deserto
de pântanos perto do mar.
Por entre esta cidade
ainda mais lenta é minha pisada;
retardo enquanto posso
os últimos dias da jornada.
Não há talhas que ver,
muito menos o que tombar:
há apenas esta gente
e minha simpatia calada.


João Cabral de Melo Neto

sábado, 4 de maio de 2013

...

Com o gosto ainda fresco do beijo.
Com a história malsucedida atravessada na garganta.
Seguindo, pela teimosia que ainda impera. A vontade de sorrir. A dúvida. A descoberta.
Adiante, porque no dia seguinte há paz.
 À frente, pelo eventual encontro. Pela escolha que chega a nós já escolhida e quase pronta.
Arriba, só pelo gosto da mudança. Do rosto atrás do muro pichado e sujo. Dos olhos. Do gemido. Do não.
Perseguindo a parte simples. O texto de poucas palavras. A estrela que mora na boca de alguém!
Os pés, agora descalços, acostumados com a ponta fina das pedras.
O corpo que não prostra mais à toa.
A parede do quarto, pintada, que encobre as manchas.
O rosto se descobre envelhecido.
A virilidade juvenil que dá lugar ao comedimento.
A agressividade vencida pela sonolência.
Quase cansaço!
O triunfo, ainda que por um minuto.
E lá na frente, bem à frente, nós.