sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Naquela tarde tudo era o mesmo...

O frio de junho nos Gerais; a sala cheia e os meninos, maliciosamente, insinuando além de nossa amizade e carinho mútuo  escancarado, nos constrangendo.
Dizem que era tua despedida, eu digo que foi tua estreia num universo que pode ser compreendido, menos como um ofício que, como uma missão. Pegar nas mãos dos pequenos enquanto ainda tateiam pelas paredes crespas e hostis do mundo, não deve ser outra coisa, senão missão. Em minha memória estão eternizados, ao menos, dois professores.
Pois bem, o que eu quero dizer é que, naquela tarde tudo era o mesmo! A espontaneidade que encanta era a mesma; a maturidade impressionantemente esculpida num rosto de adolescente era a mesma. Eu quis falar, mas não podia... Quis, mas não devia, e nem devo.
Aproveito para dizer ainda que, também era o mesmo o teu amor pelo teu Deus, pelos teus santos e às tuas causas, e isso é tão bonito.
Nasceste com a difícil tarefa de harmonizar a instabilidade mundana, e por isso caminha em direção oposta à maioria.  Vês como o velho Quixote e segue resoluta, pelo caminho metafórico de Cristo. 
Gil, numa canção, canta que a fé não costuma falhar. Penso o mesmo, embora não seja religioso. A tua é sólida!
Roubei de uma outra música esses dias: a gente não precisa estar junto para estar perto...
... podemos, perfeitamente, seguir! E, no entanto, nossa amizade pode ter o tamanho da tua fé e durar até o nosso último pôr-do-sol. Você daí, eu de cá, e os raios do crepúsculo aquecendo nossas casas, vidas, almas, velhice, e lembrando-nos da nossa existência.
Quero ainda, se não for demais, te confessar, bem baixinho, para que ninguém mais saiba, que a rebeldia e inconstância, marcas tão clichês, já se descolam do meu couro.
Ganho idade e minhas vontades tornam-se ações.

Saulo Oliveira

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

...

Salta ao meu olhar
Da sua pele branca tatuada
Olhos famintos
Que saltam ao me olhar.
 Podiam se destacar
 Traços pretos e precisos
Mas o desenho realístico
 Pouco se faz lembrar.
Mas me lembro, não esqueço
 Como posso?
Dos olhos vermelhos
 Que ardiam nos meus pretos,
Minha pele vermelha a queimar.
Rubra do desejo
Que seu olhar faminto e negro
Fez saltar dos meus olhos
Quando só pude te olhar.

(Mari)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Fim de dia, casa igual

Mais poético é o caso de um homem que se propõe um fim que não está vedado a outros, mas sim a ele.
Jorge Luis Borges: O Aleph, A Procura de Averróis.

... vai se equilibrando desengonçado na linha fina que o traz de volta ao mundo; que o desatola de uma vontade imensa e irresistível de não fazer nada. Vai assim, aos poucos, se recompondo, se ajeitando, tomando fôlego, se contorcendo no colchão, já fundo, sobre uma pilha, que a cada mês só cresce, de papéis de letras miúdas, misturados a fotos antigas, ainda saborosas, a rascunhos que, desejava não ter traçado, e a jornais escritos por gente séria, sisuda, com um papo cabeça e preocupadas em resolver tudo e deixar tudo como está!
... vai tentando se convencer de que precisa, realmente, sair no dia seguinte. Tentando acreditar que, tem um compromisso.
Noite alta, e resolve que não há nada que supere o prazer do silêncio voluntário e de um gole d’água fresca antes de deitar. 
A suspeita de que talvez não consiga dormir, não lhe agoniza; é agora experimentado na prática de enganar a insônia; a descansar a cabeça em meio à confusão e o movimento desordenado lá de fora. A crença agora é na volta do artista, daquele músico trovador de bobagens que, rompia horas e angústias com notas dissonantes encontradas e esquecidas com a mesma facilidade de uma ereção juvenil. Percebe uma marca, possivelmente um defeito de fábrica que não reparara antes, no braço do violão. Seus dedos alcançam alguns acordes com dificuldade. Desiste, e um instante depois, adormece depressa.
O passo é largo, as ruas, ao contrário, parecem estreitas. As meias que usa lhe confortam e esquentam os pés, numa manhã tão gelada e cheia de névoa que não consegue enxergar o que está à sua frente. Segue de maneira intuitiva pelo som. Ouve o eco que sua bota provoca em contato com o solo rude e molhado da calçada. Recebe como resposta as buzinas desalinhadas dos ônibus que sobem, cheios, uma avenida sem acesso transversal, e por isto, distante dali.      
Tudo no caminho vai se estabelecendo, se encaixando à medida que caminha. Tal como num poema, onde as letras às vezes parecem não encontrar espaço nem tempo adequado onde repousar, as cores se turvam e se confundem com a invasão do astro que irrompe tímido, espremido e sufocado pelas nuvens donas do céu. Vê que, briga é coisa de amador!

O sol se rende e o riso lhe vem fácil!

Saulo Oliveira