quinta-feira, 31 de março de 2011

Abajur, cama e mala...

Abajur posto sobre a mala refeita,
Como que escondendo a intenção e o desejo iminente de partir.
 Mala atirada em cima da cama mal feita e vazia,
Como que clamando e reclamando o retorno dos corpos,
Que a memória da pele não deixa esquecer.
Uma réstia de luz amarela,
Banhando o chão úmido e frio,
Dando-lhe uma aparência nostálgica e fatal.
Quarto cinza de paredes manchadas e ainda marcadas;
De cicatrizes mal curadas, que a solidão do tempo e má vontade do destino determinaram.
O velho colchão surrado; recanteado por sobre as cortinas transparentes e indiscretas,
Traz tatuado em sua pele de trapo,
Evidência de amor, suor e gozo.

SAULO OLIVEIRA

domingo, 27 de março de 2011

Papel Mache( João Bosco)


Cores do mar, festa do sol
Vida é fazer
Todo o sonho brilhar
Ser feliz
No teu colo dormir
E depois acordar
Sendo o seu colorido
Brinquedo de Papel Machê...(2x)
Dormir no teu colo
É tornar a nascer
Violeta e azul
Outro ser
Luz do querer...
Não vai desbotar
Lilás cor do mar
Seda cor de batom
Arco-íris crepom
Nada vai desbotar
Brinquedo de Papel Machê...
Dormir no teu colo
É tornar a nascer
Violeta e azul
Outro ser
Luz do querer...
Não vai desbotar
Lilás cor do mar
Seda cor de batom
Arco-íris crepom
Nada vai desbotar
Brinquedo de Papel Machê...

quarta-feira, 23 de março de 2011

Na Bahia tem...


A espontaneidade dos corpos banhados de suor e Sol,
A preguiça esperta e disfarçado sob a sabedoria de um povo alegre que sofre.
Na Bahia tem...
O cheiro forte e atraente de samba que insistentemente exala da mestiça mulata quente de sorriso febril.
Na Bahia tem...
O dedinho de prosa sobre as calçadas e em frente às portas, animado pelo aroma inebriante de pau, pedra, terra e campo, anunciando a iminência de um café porreta.
Na Bahia tem...
Os pés descalços; as mãos calejadas e ainda cansadas da labuta, que uma vez repousadas sobre o corpo d’um violão; produz magia, música e axé.
Na Bahia tem...
Homens e mulheres retados;
Que não hesitam e tampouco têm medo de amar.
Que sorriem, ainda que sem motivos,
E que choram amiúde a perda diária da esperança que rodeia suas casas, e por teimosia dolosa não entram.
Na Bahia tem... 

Saulo Oliveira

terça-feira, 22 de março de 2011

Vênus ( Moska)


Não falo do amor romântico,
Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.
Relações de dependência e submissão, paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo,
E pensam que o amor é alguma coisa
Que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.
Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,
Antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos domine?
Minha resposta? O amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.
A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor e não podemos castrá-lo.
O amor não é orgânico.
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia.
Não é no meu sangue que ele ferve.
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha
E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu
Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha.
Como uma aurora colorida e misteriosa,
Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.
O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Caminhando e mudando...



Uma sensação boa, mas desconfortável.
Ela penetra timidamente pelas vias respiratórias,
Trazendo consigo todo o ar que respiro, e por isso mesmo sendo a responsável pela minha manutenção.
Poucos segundos bastam, para que eu não mais sinta os meus pés no chão, e meu estômago se transforme num intenso e ininterrupto espetáculo de contorcionismo!
A cada passo avante, em que me atrevo e permito-me, não sou o mesmo; sinto-me inseguro e vacilante, mas sei que preciso ir.
Por vezes volto minha cabeça pra trás inutilmente, pra ver se enxergo migalhas ou sombras de silhuetas do que ficou.
Logo a dor não demora em aparecer em cena e se mostra tão inescrupulosa e insensível.
“Vou a nocaute outra vez”.
Ergo-me e volto à superfície sofregamente, encho os pulmões de ar, não aquele ar infectado de outrora, mas um ar puro e não mais desafiador.
Descubro-me diferente; outro. Sorrio e vou em frente, resmungando palavras indóceis e cismando com os meus botões: Como é doloroso o ato de caminhar!

Saulo Oliveira